sexta-feira, julho 22, 2011

A Grande Evasão

Os ponteiros marcam certeiros as horas que o coração desconhece enquanto percorro a casa. Será, talvez, a minha quinta ronda de vigilância às paredes nesta tarde, aos muros que me encerram na minha cidade dentro da selva urbana que a todos prende. Algumas pessoas até relatam friamente os horrores dessa prisão selvática, ouvi disso na televisão, enquanto outros, relembro nas conversas de há muito, juram-na confinada à jaula dos tigres no jardim zoológico, mas eu, em pleno endeusamento, vejo-o agora tão claramente que tenho de te avisar.

Vai para a rua.

(Eu bem quero, mas como?)

Após anos e anos passados a juntar na perfeição tijolos ao cimento, confinando-me sempre mais no carregado ar de chumbo, chegou hoje o dia em que, cruel destino, busco uma falha por onde possa sair, uma ínfima brecha neste tão magnífico altar que sozinho edifiquei, inquebrantável perante os medos que de fora viriam, numa tentativa vã de me proteger da sua devastação. Ironicamente, nunca me apercebi que a fonte do pânico seria outra, bem mais próxima e tão mais íntima, que as minhas próprias vísceras lhe são exteriores.

Sai de casa.

(Onde fechei a porta?)

Já consciente do erro cometido, dou agora voltas e voltas pela casa ao ritmo das entranhas indigestas, contorcendo-me sem igual enquanto reviro tudo à procura da porta por onde saíste e que te pedi que nunca mais abrisses. Cumpriste a tua parte mesmo sem me compreender, o que agradeço, e deixaste-me aqui enclausurado, inacessível ao mundo exterior, como jurei ser minha vontade. E foi, até hoje. Ou ontem, quando verti a primeira lágrima desconhecendo-lhe a origem. Ou anteontem, dia em que se me humedeceram os olhos. Talvez há um mês atrás, naquele raro acelerar do passo no corredor. Enfim, se recuar na memória, possivelmente desde há mais tempo…

Foge comigo.

(Saberei correr?)

Tanto quis a calma e a paz interior que construí teorias, fiz dissertações e até publiquei teses em jornais da especialidade sobre isso. Não duvides… Recebi convites para intervir em colóquios e seminários, os quais educadamente rejeitei, com receio de prejudicar a pacatez da minha vida, e tudo isto para quê? Para sentir um vento nas pernas, tanto anos depois, a impelir-me numa corrida? E, se há vento, donde virá? Por isso busco a fresta fina, louco por lhe conhecer a origem. Onde estás?

Foge! Já!

(Mas volto?)

Na minha cabeça plena de soberba, tijolos explodem à frente e atrás, aos lados, por todo o lado, num descarnar sem fim do betão armado que se esvai lentamente a meus pés, qual monstro espongiforme ainda lutando pela sua vida, e concede-se-me o acesso ao mundo exterior. A minha face rasga-se perante o esplendor da luz exterior (interior?) e, sem saber nem ver para onde, calcorreio a minha fuga.
A fuga...
Sim, fujo para nunca mais lá voltar.
Fujo para ti, de onde nunca devia ter saído.
Oh, sim, se fujo!... Fujo e encho o peito de ar para retomar naquela fuga …
É tão bom respirar, neste regresso à selva urbana da paixão e da dor, onde as pernas trôpegas rapidamente deixarão de sê-lo e ganharão feridas. Haverá chagas para somar e lamber, é um facto, mas delas brotará prazer e lágrimas de alegria, prazer e lágrimas de tristeza. Prazer por ser e por estar. Prazer por nunca mais voltar àquele lugar.

E foi assim que hoje fugi numa evasão que mais não é do que um reencontro com um velho amigo meu: Eu…