A noite respirava alta quando abandonei mansamente as horas
do teu fôlego relaxado. Contornei a cama de lençóis definidos pela beleza da
tua pele e vagueei pela casa em busca do sítio onde a razão fizesse sentido,
onde o coração fizesse sentido, onde a solidão fizesse sentido. Obviamente, na
procura do impossível dentro de mim, não dei com esse local e foi num apelo
maternal que rumei ao aconchego do sofá da sala, onde os dedos do seu tecido me
afagaram, me acariciaram, me fizeram sentir a falta dos teus que tantas vezes
por lá passaram.
Perdeste-los na espuma dos dias, entre vagas de informação
avulsa, e ainda não sabias disso, da falta que te faziam, da falta que me
faziam. Desejava tanto tê-los agora perto de mim, tomar-lhes o calor, cair no
seu embalo e sossegar as minhas lágrimas neles, aquelas invisíveis e que,
apesar disso, são tão mais sentidas, mais reais, mais vindas de dentro, um
dentro tão fundo de que desconhecia a existência. E era assim que me sentia: nu,
frágil, acossado por tempestades de areia feitas de grãos tão fortes quanto
imaginários, e que ainda assim dilaceram, vergastam, me abandonam prostrado
perante o altar de ti.
Peço clemência aos deuses, peço sossego e podia fazê-lo toda
a noite, até cinco minutos antes do despertador te injectar de realidade e eu
estar lá a proteger-te do choque, fingindo-me de forte, que não darias conta. Fingindo
que não sinto, como se fosse eu o poeta de Pessoa a sentir toda a dor do mundo.
Pego num bloco de folhas soltas e pinto para a posteridade a
noite que nunca viste das lágrimas que nunca te chorei. Real ou fruto da
imaginação não interessa, mas talvez se eu ficar por aqui ninguém dê pela minha
falta…
3 comentários:
uma prosa poética com muita qualidade .
parabéns.
um beij
Obrigado.
Beijo
:)
boas férias.
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