terça-feira, junho 26, 2012

As Lágrimas Que Nunca Te Chorei

A noite respirava alta quando abandonei mansamente as horas do teu fôlego relaxado. Contornei a cama de lençóis definidos pela beleza da tua pele e vagueei pela casa em busca do sítio onde a razão fizesse sentido, onde o coração fizesse sentido, onde a solidão fizesse sentido. Obviamente, na procura do impossível dentro de mim, não dei com esse local e foi num apelo maternal que rumei ao aconchego do sofá da sala, onde os dedos do seu tecido me afagaram, me acariciaram, me fizeram sentir a falta dos teus que tantas vezes por lá passaram.
Perdeste-los na espuma dos dias, entre vagas de informação avulsa, e ainda não sabias disso, da falta que te faziam, da falta que me faziam. Desejava tanto tê-los agora perto de mim, tomar-lhes o calor, cair no seu embalo e sossegar as minhas lágrimas neles, aquelas invisíveis e que, apesar disso, são tão mais sentidas, mais reais, mais vindas de dentro, um dentro tão fundo de que desconhecia a existência. E era assim que me sentia: nu, frágil, acossado por tempestades de areia feitas de grãos tão fortes quanto imaginários, e que ainda assim dilaceram, vergastam, me abandonam prostrado perante o altar de ti.
Peço clemência aos deuses, peço sossego e podia fazê-lo toda a noite, até cinco minutos antes do despertador te injectar de realidade e eu estar lá a proteger-te do choque, fingindo-me de forte, que não darias conta. Fingindo que não sinto, como se fosse eu o poeta de Pessoa a sentir toda a dor do mundo.
Pego num bloco de folhas soltas e pinto para a posteridade a noite que nunca viste das lágrimas que nunca te chorei. Real ou fruto da imaginação não interessa, mas talvez se eu ficar por aqui ninguém dê pela minha falta…

3 comentários:

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

uma prosa poética com muita qualidade .

parabéns.

um beij

Marco Santos disse...

Obrigado.
Beijo

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

:)

boas férias.