O espaço percorreu a maior dimensão do tempo e entrou noutro
mundo, noutra galáxia, noutro universo, paralelo ao seu, próximo do seu, tão
colado que quase lhe partilhava o perfume matinal que nos distingue nas agruras
da vida e respirava a confiança dos holofotes da fama, da glória, da vanidade
da vida.
Exausto, cansado de viver e fatigado por dores acéfalas, tomou
como seu o copo de vinho que restava à mesa e aspirou num ápice os restos de comida
ressequida que tingiam a mesa ainda vestida pelos remorsos de noites mal
dormidas, pelas manchas do passado, pelas agonias do presente. O futuro, esse
tresandava a trapos embebidos em vinho tinto, amontoados, amarrotados, abandonados
ao seu triste destino da manhã de orvalho.
Deixou-se ficar um pouco mais, entretido nas suas
recordações do diário de bordo de outrora, do registo de coordenadas na altura
tão exactas, rigorosas, certeiras. Já não eram assim nos tempos de hoje. Haviam
mudado a unidade métrica, as máquinas de viajar no tempo haviam-se tornado
obsoletas, pedaços de vil metal flutuante, e o velho espaço, sem dar por isso,
foi-se transformando num espaço ainda mais velho, mais arcaico, quase contemporâneo
das viagens à lua.
Agora a lua era ele e, vendo-se reflectido nas nebulosas paredes
cor de leite, sonhava com o que poderia ter sido se fosse fruto de outra
metafísica, de outro apeadeiro de passagem. Talvez tivesse sido feliz. Talvez ainda
o fosse por estes dias em que mal sentia. Talvez.
Limpou novo copo de vinho e olhou em redor com atenção. As paredes
exibiam orgulhosas as rachas da idade e, entre uma ou outra fenda, lá estava
pendurado um prato com fruta cristalizada desenhada no fundo. Que coincidência
de fundos, pensou em voz alta, existe entre nós…
Levantou-se cambaleante e ergueu repetidamente o copo vazio
de alegria. Sozinho, brindou à sinfonia da vida, ao paralelismo de estar e não
estar, à presença figurativa da realidade paralela. Beijou a esposa e partiu.
Rumo a mais um dia de trabalho…
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